quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ESSE LUGAR CHEGA? – Nanty Andrade

ESSE LUGAR CHEGA? – Nanty   Andrade

Madalena, mulher decidida que sempre teve que cuidar da vida e dos filhos sozinha, sabe o que quer  e como se virar em qualquer situação. Certo dia decidiu organizar uma excursão para o Jorro, assim poderia visitar sua irmã que mora lá e faz alguns meses que não a ver. Levaria tantos membros da família quanto pudesse reunir.
O Jorro é uma estância de água termal e fica acerca de cem quilômetros do Junco e por causa disso a parentada todo quis ir. Assim, ela teve que contratar um micro-ônibus e uma Besta, de marca Topic. Marcou a saída para as cinco horas da manhã do domingo. Sem atraso, porque teria que ir parando para embarque dos parentes no meio do caminho.
No horário acertado, partiu rumo à casa de uma das irmãs, na roça, porém não se encontrava ninguém na porteira conforme o combinado. Enquanto uns gritavam pela passageira, outros aproveitavam para roubar goiabas no quintal da casa. Seria o desjejum da maioria. Pena que estivessem bichadas...

Sebastiana, a irmã de Madalena, enfim apareceu. Os carros seguem até um ponto determinado onde se reuniriam os que residiam mais próximos. O povo feliz começa a entrar no micro-ônibus. E vai entrando, e vai entrando e chegando mais um e outro, vai lotando e não dá mais para entrar, mas eles parecem não perceber esse detalhe, pois vão empurrando e amassando até ouvir um grito do motorista
– Vão para a Topic pelo amor de Deus porque aqui já está cheio...
– Lá? O senhor não viu não, foi? Lá já está muito pior, nós vamos ficar é aqui!
– Vocês me desculpem, mas assim eu não posso fazer nada, nem ir a lugar algum. A lotação é para 16 passageiros, já tem mais de 20, a estrada está o maior lamaçal, eu não posso carregar esse povo todo, temos que arrumar um jeito de resolver isso...
Convocaram o sobrinho de Madalena para tentar resolver o problema. Começa uma discussão onde só se ouve vozes embaralhadas e não se sabe de onde vem:
“Se me levarem na cidade, para passar o domingo lá, eu fico”. “Eu paguei, então eu vou!” “Não mandei não fazer a lista direito, vai ter que ir todo bichim de licuri”. “E pra que levar essa meninada toda, deixa eles aí”. “Deixar os meninos onde, cê ta doido, é? Vai ficar para tomar conta deles? Deixar só se for debaixo do cesto, ou amarrado na cama”. “Peraí minha gente, temos que pensar em alguma solução!”
Enquanto pensam alto, passa um rapaz vendendo pão. Aproveitam para forrar a barriga. Alimentados, pensam melhor. E enquanto uns pensam, outros perturbam. E entre eles está um tal de Patrício que, cheio de energia, não consegue ficar parado, cantando paródias de benditos debaixo da chuva:
“Ô velha da frente mais alta que eu, olha aí na tabela o bicho que deu”. (Quero ouvir todo mundo responder:).
“Aaavvveeee, aaavvvveeee, avestruz.”
– Quem aguenta esse menino? Volta pra Topic, Patrício, caminha... - reclama Madalena, enquanto ri de suas paródias e relembra casos engraçados de viagens passadas que fizeram juntos.
Solução encontrada: Fretar uma Kombi, aumentar o valor da passagem em 50% e cada criança paga meia.
– Se não for assim não dá! - avisa Fausto. E a discussão continua: “Mas eu tenho quatro meninos vou ter que pagar pelos quatro? Assim, é melhor voltar para casa”. “O meu menino é pequeno, não vou pagar não” “Aquela menina tá é grande demais, vai ter que pagar a passagem completa” “Oxe, nem venha, ela é criança, você fala isso porque não tem filho”. Enquanto conversam, Fausto vai falar com o dono da Kombi e depois de algum tempo, volta avisando:
– Ele vai, mas já tá tomando umas.
– Tem nada não, vamos assim mesmo.
– E então, vamos? Está tudo pronto?
Entra todo mundo, o motorista liga o carro e percebe algo estranho. O motorista do micro-ônibus que já estava impaciente com a situação acaba de perceber que esqueceu de reparar o nível do combustível e o que tinha era insuficiente. Então Fausto, o salvador da pátria, monta em sua motocicleta e vai até o posto de gasolina buscar um galão de óleo diesel.
Agora sim, estão todos a bordo e podem partir com segurança. A preocupação do motorista nesse momento ao ver a criançada entrando foi de distribuir sacolinhas plásticas para prevenir que sujassem o micro-ônibus.“Quiiiii homem, elas não enjoam não”. “Meu menino nunca enjoou, nem precisa disso”. Ainda assim, por precaução, todos receberam uma sacolinha. A viagem parece que vai continuar e alguém lembra:
– Ainda tem gente para pegar do outro lado do rio.
– Rio? nós vamos atravessar um rio? E a ponte é segura? Acho melhor descer do carro e atravessar andando, abre a porta motorista! - assusta-se um passageiro e em segundos já está de pé na porta, pronto para descer.
Travessia feita, todos são e salvos, a viagem continua, e logo aparece um gaiato para encurtar o caminho, contando piadas durante o incansável percurso. E todos riram, riram e gargalharam com suas piadas e casos engraçados ocorridos em outros momentos, além dos apertos de compadres que tiveram uma “revolução na barriga” durante uma viagem dessa. Enquanto todos se divertiam, o motorista se preocupava com a pista que estava extremamente escorregadia e cheia de poças de lama por conta da chuva que não cessava um só minuto. Sem contar que depois de tanto atraso e problema para resolver já havia se arrependido de ter aceitado o frete:
– Se arrependimento matasse, eu tava enterrado. - desabafa ele que seguia perguntando pela estrada a todos que passavam onde era menos ruim para trafegar. E os balanços? Atola, não atola, em poucos instantes já se ouve um grito:
– Zeeeeefa, espia aí teu menino, tá amarelo, querendo jogar as tripas pela janela... “Toma uma chave menino, aperta bem, que passa a vontade” “Dá um limão para ele cheirar” “Tá é com fome, tomou café direito”? – cada um tinha seu palpite.
Daí a pouco saiu um cheiro de frango assado, incendiando o carro: “Veio lá da cozinha” “Paaaassa um pedaço para cá”. Até o motorista teve vontade de uma coxinha de frango assada para driblar a fome e o desgosto que o acompanhava.
– Toma Crispim, daí ao motorista um pão com mortadela, para ele enganar a fome. – ofereceu Madalena.
– Não, obrigado. Se comer agora, passa a fome.- rejeita o motorista desconsolado.
E os aromas vão se misturando. Nos balanços, um balde de puba se abre e o cheiro forte se exala, alguém se aproveita daquela situação para descansar os pés de um tênis molhado da chuva, pois que os odores se assemelham. Além do cheiro de comida misturado ao do vômito. E o percurso parece que vai aumentando e essa cidade nunca chega. A essas alturas, um gurizinho pergunta curioso:
– Mãe, esse lugar chega?
E já passava das onze da manhã quando finalmente avistaram a casa da anfitriã. De longe dava para ver a decoração junina, sentir o cheirinho gostoso da comida e de como aquele encontro seria aconchegante. E como foi...

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